quinta-feira, 19 de maio de 2011

É grave, Doutor Google?

Autodiagnóstigos tornam-se cada vez mais comuns por buscadores da Web

Carol Slaibi, Eduardo Maia, Natália Giarola e Wanderson Nascimento

 Pesquisa realizada pela Pew Research Center & American Life Project revela que 61% dos adultos nos Estados Unidos procuram na internet informações sobre sua saúde. Esses dados remetem ao fenômeno tratado como cibercondria, caracterizada pela preocupação excessiva e infundada em autoexames e autodiagnósticos baseados em pesquisas realizadas na web.

A pesquisa foi realizada em 2009 e relaciona a cibercondria com o aumento do número de usuários da internet, a partir de uma comparação entre os anos de 2000 e 2009. De acordo com o instituto, 74% dos americanos tem acesso à internet contra apenas 46% em 2000. O estudo também revela que o aumento se deve ao avanço das redes sociais, fóruns de debates, blogs, além do acesso móvel possibilitado pelas redes sem fio.
Os números impressionam, pois, ao se realizar esta pesquisa utilizando “dor de cabeça”, o buscador gerou cerca de 2,4 milhões de resultados. Uma simples dor de cabeça numa rápida busca no “Dr. Google” pode ser considerada como sintomas de uma doença neurológica grave.
Um exemplo demonstrado pelo buscador é um artigo do site “Artigonal”, que associa a dor de cabeça como uma das causas para o tumor cerebral. “O grande problema é que na internet tem de tudo e, por ser território livre, não temos o menor controle sobre a informação que está postada. Tanto pode ser uma informação seríssima como pode ser a maior ‘picaretagem’ e o paciente não tem como saber”, afirma a assessora especial da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Fátima Vasconcelos, em entrevista à revista Super Saudável de fevereiro de 2011.
O clínico geral Hélio Pinto de Souza adverte sobre os riscos do autodiagnóstico e da automedicação. “Isso pode acarretar consequências graves, uma vez que pode levar o paciente a se automedicar, podendo não surtir nenhum efeito ou ainda piorar seu estado de saúde. Por isso, é imprescindível que se procure um médico antes de tirar qualquer conclusão sobre os sintomas ou alguma doença”, declara.
Em uma busca sobre as possíveis causas de uma dor de cabeça, a funcionária pública Maria Aparecida Haddad, 49, São João del-Rei, descobriu um câncer, diagnosticado posteriormente pelo seu médico. “Continuei investigando e, no final das contas, era um câncer de tireóide. Fiquei extremamente apavorada e cheguei inclusive à automedicação”, revela.
Haddad não tem nenhum receio em assumir suas consultas à internet para a solução de quaisquer problemas relacionados à sua saúde, mas admite que seus médicos são contrários a estes atos. “Li na internet sobre um método de retirada do sangue com a aplicação no próprio músculo (método de auto-hemoterapia) e estava propensa a fazer. Conversei com minha endócrina e ela me proibiu terminantemente. Ela disse ser um procedimento que não é aceito pela Sociedade Brasileira de Medicina”, declara.
Imagem: saude-joni.blogspot.com

Cibercondria e Hipocondria

Na relação entre cibercondria e hipocondria, a psiquiatra Fátima Vasconcelos atenta para a gravidade do excesso de informação aos hipocondríacos. “A cibercondria é um agravamento, uma piora do sintoma da hipocondria, porque, agora, o indivíduo vai estar embasado em informações. Se o hipocondríaco, quando vai ao médico, não se satisfizer com a informação, vai acabar aprofundando sua pesquisa na internet, vai finalmente acreditar no que encontrar e vai sofrer”, afirma.
A hipocondria, segundo a psicanalista Maria das Mercês Carvalho, é um transtorno emocional somatoforme, isto é,  estado em que as emoções passam  do psiquíco para o orgânico. Baseada no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais “trata-se mais de um sintoma que de uma doença, forma mal adaptada da pessoa reagir a alguma coisa. A pessoa sente-se doente apesar da ausência da patologia, sofre realmente por isso”, explica a psicanalista.
Além de acentuar a preocupação pela própria saúde nas pessoas predispostas à hipocondria, ou diretamente piorar o estado dos hipocondríacos declarados, alguns especialistas acreditam que a medicina na internet pode originar uma legião de afetados pela "cibercondria”. Especializada em psicologia clínica, Aparecida Mercês Silva acredita que “muitas vezes o paciente está mascarando outro sintoma de outra coisa que ele possa ter como insegurança, sentimento de solidão, fobias, culpa, negação de algum sentimento ou comportamento”, afirma.
A psicóloga explica que “o tratamento para a hipocondria pode ser realizado de forma multidisciplinar, às vezes com mais de um médico, como, por exemplo, um gastro, neurologista ou psiquiatra. Mas é essencial que o paciente queira se tratar. A partir dessa atitude, ele começa a ter elaborações de suas próprias vivências e vai se autoconhecendo”.
Aparecida Silva ainda adverte que, de uma forma inconsciente, o indivíduo pode gostar da forma como vive. “Por criar hábito em relação à própria doença, o sintoma do paciente apresenta melhoras; podem aparecer outros sintomas e, se houver novas melhoras, ele pode realmente ficar doente. São os chamados sintomas psicossomáticos”, esclarece.

Sem solidão

A psiquiatra Fátima Vasconcellos acredita que o acesso à internet se torna patológico à medida que a pessoa deixa de conviver com outras pessoas. A internet é usada para preencher o espaço de solidão, mas o ser humano é movido a pessoas.
Segundo a psiquiatra, há relatos de indivíduos que ficam jogando no computador por três, quatro dias direto. “Tive um paciente que simplesmente parou de trabalhar, porque ficava só testando joguinhos. Ele já deixava a porta da casa aberta e pedia comida pelo telefone para não perder tempo, para não parar, para não largar o computador”, relata.
Essa perda de controle diante da internet é um tipo do transtorno dos impulsos como o uso de drogas, em que o dependente não tem o menor controle, simplesmente não consegue parar. “Quando o indivíduo passa a usar a internet como substituto das relações humanas, isso indica um problema. Se a internet serve para melhorar as relações humanas, para facilitar a vida, está perfeito”, conclui Fátima.

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