quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Antigos ou pós-modernos, indivíduos histéricos

Por Ana Gabriela

Psiquiatras, psicólogos e psicanalistas concordam que a histeria tem a ver com fantasias não realizadas do indivíduo, mas tem divergências sobre quais fatores da vida em sociedade alimentam a ocorrência do quadro. A repressão da libido causa a manifestação corporal de problemas psíquicos, principal característica da doença. Sabe-se que a histeria acomete o homem desde muitos séculos. Os primeiros registros remetem a antiguidade, em papiros egípcios que datam de 4 mil anos. Séculos mais tarde, a importância histórica da doença foi tanta, que o estudo dela feito por Freud deu origem à psicanálise.
Na psiquiatria, o termo histeria é anacrônico. O termo usado é transtorno dissociativo. O neuropsiquiatra Xisto Rolim, do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) de São João del-Rei, explica que o transtorno é “um grau considerável de descontrole do consciente, das memórias e sensações, devido aos problemas que o indivíduo passa no decorrer de sua vivência. Os sintomas se manifestam em transtornos do corpo, como dor de cabeça, desmaios e convulsões”, diz. Para o médico, a sociedade opressora causa indivíduos histéricos, porque a pessoa cria fantasias em torno da realidade, às quais não pode realizar. Diante disso, passa a pôr no corpo conflitos psíquicos, sem que os sintomas físicos tenham causa aparente. O tratamento é a psicoterapia e o uso de medicamentos. ‘Na psicoterapia o profissional dá orientações e amostras da realidade ao paciente e tenta despertar uma luta interna contra os problemas pelos quais ele passou”, afirma Xisto.
De acordo com o psicólogo Lucas Teixeira, para a psicologia, a histeria é um quadro clínico que apresenta traços específicos como extravagância, vivência performática, caráter sugestionável, dissociação de papéis sociais (auto-identidade mal definida), atitude sedutora e tendência a emotividade. “O histérico é um eterno insatisfeito: exige mais do que o outro tem a oferecer, luta para obter atenção, podendo chegar ao ponto de expor a si e aos outros ao ridículo, molda seus atos com base no que entende que o outro espera dele, além de encontrar dificuldades em diferenciar a realidade concreta das suas fantasias. Em alguns casos, torna-se difícil definir se o quadro é histérico ou psicótico, sendo necessário o trabalho conjunto de psicólogos e psiquiatras”, diz.
Lucas argumenta que a sociedade e a família podem favorecer a ocorrência do quadro. Isso ocorre quando a sociedade alimenta imagens idealizadas de gênero. “As figuras que ilustram o sujeito histérico estão associadas na verdade a estereótipos de masculinidade e feminilidade: no homem, os tipos machão, o Don Juan, e o homossexual afeminado; enquanto que nas mulheres a femme fatale. A histeria de conversão refletia nos séculos XIX e XX o ideal feminino de classe média de uma pessoa frágil e espiritual, sendo esperado que a mulher de classe média se abstivesse do trabalho físico e não se interessasse pelos prazeres do corpo”, afirma Lucas.
O psicólogo explica que, com a revolução sexual e a entrada da mulher no mercado de trabalho, o ideal de feminilidade foi transformado, e o diagnóstico da histeria de conversão diminuiu nas clínicas. Entretanto, a sociedade atual ainda produz sujeitos histéricos, já que estimula tipos específicos de comportamento. “Temos fortes razões para acreditar que se encontrarmos um meio termo na questão sexual – uma vez que ontem ela era vivenciada como proibida e hoje como uma obrigação -, as figuras do Don Juan e da femme fatale perderão suas bases sócio-culturais, tornando-se residuais. De forma similar, o machão e o homossexual afeminado – enquanto faces da mesma moeda -, e porque não dizer a própria homofobia, perderiam sua razão de existir dentro de uma sociedade que permitisse e estimulasse aos homens cuidarem de sua própria saúde, expressar e lidar com seus próprios sentimentos”, explica.
Lucas Teixeira afirma que a família favorece o quadro de histeria quando, além de fomentar as questões de gênero, também manipula e seduz a criança para que ela faça o que o adulto quer, sem levar em consideração seus próprios desejos. Outro comportamento danoso é quando os pais comparam os filhos com outras crianças, como na habitual frase ‘porque você não faz ou não é como fulano’. Segundo o psicólogo, este contexto enfraquece a auto-imagem da criança, que, ao invés de aprender a reconhecer e lidar com seus próprios desejos e sentimentos, aprende a moldar-se ao que ela acha que o outro espera dela. “Vivendo neste contexto, a criança pode aprender que ‘a opinião do outro sobre mim é o que realmente conta’, mantendo-se altamente sugestionável em suas opiniões e decisões, sendo capaz de fazer o possível e o impossível para obter a atenção e aceitação deste outro”, diz. Na psicologia, o tratamento é feito pela psicoterapia, em que o terapeuta ajuda seu cliente a reconhecer, refletir sobre e modificar seu padrão de comportamento.
Para o psicanalista Hugo Valente, a histeria não é uma doença, mas sim um posicionamento subjetivo do sujeito frente ao outro. Ele explica que, para a psicanálise, a histeria surge diante de um desejo insatisfeito. De acordo com Hugo, não é necessariamente a sociedade repressora que causa o histérico. “Se existisse uma sociedade completamente libertina, também haveria este mesmo tipo de estrutura (histérica). Este tipo clínico não deriva de um tipo específico de civilização. O próprio movimento civilizatório, dos homens se organizarem e se relacionarem com o outro, já tem implicado nele a recusa e a insatisfação do sujeito. Ao relacionar-se com o outro já há certa renuncia de desejo e isto vai se manifestar nestas psicopatologias. Não é o tipo de sociedade, mas o efeito de civilização que causa a repressão, a renuncia”, explica.  Na psicanálise o tratamento se dá pela fala. “Freud percebeu que o desejo aparece na fala do sujeito. Quando a pessoa fala o que está pensando, ela permite que o analista interprete este desejo. Na interpretação do desejo, o sintoma cai”, afirma Hugo.
Doença antiga
Os egípcios já estudavam a histeria. Em registros encontrados em papiros que datam de 4 mil anos, havia a descrição de casos como o de mulheres que ficavam a dias de cama sem que houvesse uma causa aparente, que sentiam dores,  impossibilidade de abrir a boca, dentre outros sintomas, de acordo com a pesquisadora  Marilita Lúcia Calheiros de Castro, no artigo “A histeria”. A pesquisadora é especialista em Psiquiatria pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e mestre em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba.
No artigo, Marilita explica que na antiguidade o transtorno era identificado como uma doença que acometia mulheres que não tinham engravidado. A própria palavra histeria vem do grego histeros, que quer dizer útero. O que se imaginava é que o não uso do útero fazia-o transitar pelo organismo da mulher, prejudicando o funcionamento de outros órgãos. O remédio era a inalação de substâncias fétidas ou a fumigação, processo em que se desinfeta por meio de fumaça, da vagina, a fim de que o útero voltasse ao local certo do corpo. “O tratamento preventivo era simples: para as jovens solteiras, o casamento; para as casadas, o coito, a fim de umedecer e reter a matriz em seu lugar; para as viúvas, a gravidez”, afirma Marilita.
            Séculos mais tarde, a histeria foi amplamente estudada por Freud, o pai da psicanálise. Foi, inclusive, o estudo que este médico psiquiatra fez da doença que deu origem à psicanálise, método terapêutico ligado à interpretação do inconsciente.  Segundo a psicanalista Joviane Moura, no artigo “Introdução à Histeria”, Freud concluiu que os sintomas histéricos, que nada tem a ver com o útero, eram causados por impulsos da libido que haviam sido reprimidos. As manifestações físicas eram queixas em relação a desejos irrealizados. No artigo, Joviane sustenta a tese de que a mulher sofria com a repressão sexual na sociedade patriarcal. Segundo ela, a histeria é uma forma de fugir da realidade opressiva. A pesquisadora Marilita afirma que, mesmo atualmente, o diagnóstico do transtorno é bem mais freqüente em mulheres do que em homens.
Para psicanálise, histeria é resposta a castração
O psicanalista Hugo Valente explica que, para a psicanálise, a histeria é um tipo clínico. “Dentro da psicanálise há três possibilidades de diagnóstico: neurose, psicose e perversão. No grande grupo da estrutura neurótica, há tipos clínicos, que seriam subtipos de neurose. Um destes subtipos é a histeria”, diz.
Hugo explica que o sujeito neurótico tenta, prioritariamente, justificar a própria existência. Ele faz indagações como ‘Por que eu existo? O que o outro quer de mim? O que eu posso fazer pelo outro?’ Já a maneira de se relacionar do sujeito perverso perpassa a idéia ‘eu sei o que é bom para o outro’, enquanto na psicose a idéia central é ‘o outro quer me destruir’.
 Assim como a psiquiatria, a psicanálise considera que o principal sintoma da histeria é o direcionamento da energia psíquica para o corpo. Entretanto, Hugo Valente afirma que a psicanálise não consegue diferenciar as psicopatologias pelos sintomas. “É possível que haja sintomas de conversão (manifestações corporais de problemas psíquicos), por exemplo, em estruturas psicóticas e de perversão, não só na neurótica. O que interessa mais é o posicionamento subjetivo do indivíduo”, argumenta.
Segundo o psicanalista, desde quando nasce, o sujeito está em relação com o outro e o conflito é inerente a esta relação. O que acontece é que às vezes o sujeito tenta se livrar deste conflito por meio de psicopatologias, nomenclatura que a psicanálise dá a doenças psíquicas. “As psicopatologias são uma forma de defesa. Defesa contra o quê? De uma forma ampla, contra a sexualidade. O sujeito se defende da face da sexualidade chamada castração. O sujeito tenta dar uma resposta a castração”, afirma.
De acordo com Hugo Valente, o sujeito da psicanálise se forma a partir da falta, que Freud chamou de experiências de insatisfação. Para Freud, a experiência de insatisfação tem início na época do desmame, quando o indivíduo perde a relação de simbiose que tinha com a mãe.  “É a partir da falta do seio que o sujeito se inaugura e aparece como um ser demandante, que reclama e pede alguma coisa. Nesse movimento de pedir alguma coisa, a pessoa estabelece uma relação com o outro”, diz o psicanalista. Segundo o psicanalista, o que caracteriza toda a estrutura neurótica é a tentativa de voltar ao estado de satisfação inicial dos primeiros anos de vida. A histeria é, então, uma resposta do sujeito frente à falta, a castração.
Para a psicanálise, esta falta é inerente ao sujeito, mas as pessoas podem buscar uma forma de lidar com o sentimento de castração sem que isto passe pelas psicopatologias. Hugo completa: “O interesse da psicanálise não é a cura. A psicanálise usa o sintoma para fazer a análise do sujeito. Só que a análise chega a um ponto em que não se consegue derrubar o sintoma, que é o próprio sujeito castrado. O sujeito depara-se com uma falta e esta falta é essencial a sobrevivência do próprio sujeito. A psicanálise faz com que o indivíduo se depare com a radical alteridade, com a falta”, diz.

Fontes a serem consultadas:
Castro, Marilita Lúcia Calheiros de Castro de. Artigo “A histeria”. Retirado em http://www.psiconica.com/psimed/files/histeria.pdf
Moura, Joviane. Artigo “Introdução à Histeria”. Do link http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/introducao-a-histeria



quarta-feira, 6 de julho de 2011

Pesquisa aborda ‘mestiçagem’ na obra da missionária Clara Nunes



Contracapa do disco ‘Esperança’

 
Por Ana Gabriela e Gabriel Riceputi  

 O papel político e religioso que Clara Nunes deu a seu canto é estudado na pesquisa “O Canto do Brasil mestiço: Clara Nunes e o popular na cultura brasileira”, da professora Silvia Brügger, do curso de História da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). A pesquisa aborda a trajetória pessoal e artística da cantora e, a partir de sua obra, discute temas como a diversidade cultural brasileira e a ideia da mestiçagem. Iniciado em 2004, o projeto financiado pela Fapemig e CNPq rendeu, além de publicações, um projeto de extensão de manutenção do acervo pessoal da cantora, até então em posse de seus familiares, e um livro, ainda em andamento e sem data para publicação.
A professora Silvia Brügger explica que a questão central da pesquisa foi definir o que Clara Nunes entendia pelos conceitos ‘popular’ e ‘brasileiro’.  Isto porque a cantora, mesmo vivendo numa época de grandes movimentos musicais como Tropicália e Jovem Guarda, não se filiou a um movimento e se definia como uma ‘cantora popular brasileira’. Foi a partir desta discussão que a pesquisa problematizou aspectos culturais do Brasil.
Silvia explica que Clara compreendia o ‘popular’ como as manifestações produzidas pelo povo e o ‘brasileiro’ como um povo culturalmente “rico e hibrido”,  filho de um país mestiço e de desigualdades marcantes. Segundo a pesquisadora, Clara Nunes acreditava na necessidade de lutar contra estas desigualdades. Ela considerava cantar uma missão porque era por meio de seu canto que lutava a favor dos filhos do Brasil. “Clara se via como uma missionária. O sentido (do canto) era religioso pra ela. A música ‘Minha missão’, de Paulo Cesar Pinheiro e de João Nogueira, pra mim sintetiza esta postura dela. Além desta música, a gente tem depoimentos de pessoas que conviveram com ela que falaram que Clara se afirmava como uma missionária. O cantar pra ela tinha o sentido de missão: missão política, de denunciar os problemas sociais, e missão religiosa, de cumprir os desígnios do porque ela estava neste mundo”, explica a professora.
O sentido missionário era levado tão a sério que Clara, mesmo cansada com a rotina pesada de shows, não fazia restrições dos lugares em que ia cantar. “Ela cantava na França, no Japão e em Caetanópolis. No morro da serrinha no Rio de Janeiro; na quadra da Portela. Quer dizer, nos mais diferentes lugares e para públicos diversos”, argumenta Silvia.
A interpretação que Clara tinha do Brasil, país mestiço, culturalmente rico e diverso, ainda que com grandes conflitos sociais, deu à pesquisa a oportunidade de pensar a diversidade cultural brasileira e problematizar as discussões sobre a mestiçagem.  De acordo com Silvia, a idéia de mestiçagem muitas vezes se liga ao conceito de democracia racial, por sua vez associado à obra do sociólogo Gilberto Freyre. A professora explica que a crítica à ideia da democracia racial e à ideia de mestiçagem é que estas perspectivas encobrem diferenças e negam conflitos. “Seguindo esta linha de raciocínio, somos todos iguais, posto que todos mestiços. Portanto, não existem diferenças a serem afirmadas e nem conflitos”, diz.
Para a professora, entretanto, crer num Brasil mestiço não significa deslegitimar as diferenças. “Até que ponto a afirmação de um Brasil mestiço nega a afirmação, por exemplo, de uma identidade negra no Brasil?”, indaga a pesquisadora. “O que tento fazer a partir da obra de Clara é mostrar que é possível se pensar a mestiçagem de outra forma. Quer dizer, não é preciso se negar a mestiçagem para se afirmar a negritude. E nem toda afirmação da mestiçagem significa ausência de conflito. Acho que dizer que nós somos culturalmente e mesmo biologicamente mestiços é um dado inquestionável. Manifestações como congado cruzam matrizes culturais muito distintas. Mas, ao mesmo tempo, isso não significa que não existam conflitos, exploração e discriminação racial. Portanto, faz sentido afirmar que, mesmo dentro da mestiçagem, existem diferenças”, defende.
Outra conclusão da pesquisa foi que Clara Nunes transitava por diversas culturas e religiões. Embora a imagem da cantora seja mais freqüentemente ligada às religiões afro-brasileiras, Silvia explica que Clara tinha outras vivências. “Ela não vai passando de uma religião para outra. Ela vai retrabalhando estes universos religiosos e percebendo o que eles têm em comum. Clara freqüentava uma quantidade enorme de terreiros de umbanda e candomblé. Ia a centros cardesista; de vez em quando ia à igreja e comungava”, comenta.
Para recolher o material de análise, a pesquisadora conversou com pessoas que conviveram com a cantora, analisou documentos pessoais, material jornalístico e fez análise da discografia. A pesquisa usou a História Social da Cultura como referencial teórico, campo de abordagem em voga no Brasil, sobretudo, a partir da década de 80. O campo dá ênfase à construção humana dos aspectos culturais. 

Biografia

 
do site lastfm.com.br


Clara Nunes nasceu em 1942, na atual cidade de Caetanópolis, Minas Gerais, antigo povoado do Cedro. Órfã do pai Manuel Ferreira de Araújo aos dois anos e da mãe Amélia Gonçalves Nunes aos quatro, foi criada pelos irmãos mais velhos. Mesmo assim, herdou a bagagem musical que o pai deu a família. Manuel era violeiro e chefiava a folia de reis da região. Ainda criança, Clara já cantava no coral da igreja e em peças teatrais. Na adolescência, ela se mudou para Belo Horizonte, cidade onde finalmente foi descoberta como artista. Clara trabalhava em uma fábrica de tecidos e cantava em feiras. Foi quando se apresentava numa barraca de quermesse, que o músico Jadir Ambrósio a ouviu cantar e passou a levá-la para se apresentar na noite, nos bares e nas rádios locais.
O primeiro grande marco da carreira de Clara aconteceu quando ela participou do “A voz de ouro ABC”, em 1961, em que venceu a fase mineira do concurso e ficou em terceiro lugar na apresentação final em São Paulo. Depois disso, a cantora assinou contrato com a rádio Inconfidência e ganhou um programa de TV em Belo Horizonte. Em 1965, ela, já no Rio de Janeiro, assinou contrato com a gravadora Odeon. Seu primeiro LP, ‘A voz adorável de Clara Nunes’, saiu um ano depois e, como demais Lps do inicio de carreira, foi voltado para a música romântica, bolero e samba-canção.
Com a pouca vendagem dos discos, a gravadora decidiu redirecionar a carreira de Clara. Em 1970, o radialista Adelzon Alves passou a ser o responsável pela produção artística da cantora. Ele tinha programas na Rádio Globo dedicados à samba de raiz, o que já assinalava o novo direcionamento que iria tomar a carreira de Clara Nunes. A partir daí, ela passou a cantar não somente o samba, mas outros estilos e gêneros das tradições populares brasileiras, como o frevo e os cantos de trabalho. Foi nesta fase em que passou a buscar nessas tradições uma nova trajetória para sua carreira artística. Em 75, Clara lançou ‘Claridade’ já sob a tutela do violinista Hélio Delmiro. O próximo disco, ‘Canto das três raças’, foi produzido por Renato Corrêa e Paulo Cesar Pinheiro, com quem a cantora se casou e teve vasta parceria musical. Clara lançou mais 6 discos: ‘ As forças da natureza’ (1977), ‘Guerreira’(1978), ‘Esperança’ (1979), ‘Brasil Mestiço’ (1980), ‘Clara’ (1981) e ‘Nação’ (1982).
A pesquisadora Silvia Brügger explica que, apesar de ter flertado com diversos gêneros musicais, Clara fazia questão de não se ater a rótulos: “Ela ficou conhecida como uma sambista, mas afirmava que não queria ser vista nem como sambista, nem como cantora de candomblé. Ela dizia: ‘Eu sou uma cantora popular brasileira e quero cantar de tudo. De música romântica a sambas, canto de trabalhos e jongos’”, comenta.
Clara Nunes morreu em 1983, aos 39 anos, devido a uma parada cardíaca, resultado de complicações de uma operação de varizes. 

Perfil – Silvia Brügger

Com pós-doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Silvia Brügger estuda a história do Brasil, principalmente patriarcalismo, escravidão e período colonial. No pós-doutorado, dedicou-se ao estudo da história a partir da musica brasileira. “A partir de minha aproximação com os estudos da cultura popular, passei a dar atenção especial à música enquanto objeto e fonte para o conhecimento histórico. Neste sentido, desenvolvo pesquisa sobre a vida e a obra da cantora Clara Nunes, que me permite problematizar questões relativas à relação entre cultura popular e a indústria cultural, à identidade nacional, ao universo cultural afro-brasileiro, sobretudo no que concerne ao aspecto religioso e à abordagem biográfica na história. O referencial teórico-metodológico da história oral também passou a compor minhas investigações”, afirma Silvia.
A pesquisadora tem planos de realizar um projeto mais amplo, com título provisório de “As intérpretes do Brasil”, em que pretende comparar obras de cantoras que falam de um Brasil popular, como, além de Clara Nunes, Maria Bethânia e Nara Leão. Silvia Brügger é professora adjunta do curso de história da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). 

Fonte:



 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fobia social: sintomas, diagnóstico e tratamento

Laura Vaccarini, Natasha Terra e Suellen Passarelli

A estudante Anai, 21, começou a passar por situações bastante complicadas no seu cotidiano em 2009. Ela sentia muito medo de andar sozinha nas ruas, tinha a sensação de que, a qualquer momento, poderia desmaiar, e, como agravante, sofria com a ideia de que se desmaiasse não teria ninguém para socorrê-la. Nestes momentos de pânico, Ana conta que suava muito, o braço endurecia, sentia falta de ar e enjôos. Os constantes momentos de ansiedade e tensão passaram a atrapalhar a vida da estudante, que não se alimentava mais direito. “Por causa do nervosismo, qualquer comida me fazia mal, então me alimentava muito mal’, explica. Ana disse que, então, chegou ao seu limite. “Até que chegou um ponto em que o medo tomou conta de mim e eu não consegui mais ficar sozinha em casa e também não conseguia ir sozinha até a esquina de casa. Além disso, eu sentia uma angústia enorme, um aperto no peito, tinha crises de choro sem explicação”, confidenciou.
Assim como Ana, milhões de brasileiros sofrem de transtornos de ansiedade, que são transtornos psíquicos que ganharam denominações diferentes dependendo da área, tais como “Fobia Social” ou “Síndrome do Pânico”. Tanto o diagnóstico quanto a nomenclatura do distúrbio e as formas de tratamento dividem psicólogos, psiquiatras e psicanalistas.
Para a psiquiatria, fobia social é um transtorno psicológico associado à baixa autoestima e ao medo de críticas. De acordo com a psiquiatra Maria Angélica Silva Vaccarini, a pessoa com esta fobia passa a evitar as situações desencadeantes, podendo resultar em isolamento social quase completo. Geralmente, as pessoas que sofrem desse distúrbio são pessoas ansiosas e vulneráveis ao julgamento de outros. O tratamento é feito com uso de medicamentos e psicoterapia. Maria Angélica também explica que, para a Psiquiatria, fobia social é um dos tipos, dentre vários transtornos de ansiedade. Esta nomenclatura também pode ser adotada pela Psicologia, dependendo da linha teórica que siga.
O psicólogo Ary Fialho de Menezes complementa afirmando que “a classificação das doenças é feita pelos sinais e sintomas que estão associados àqueles fenômenos”. É possível saber qual a doença de uma pessoa pelo relato ou pela observação do que está lhe acontecendo. “O transtorno de ansiedade tem certas características que o especialista, ao escutá-las ou observá-las, saberá diferenciar, por exemplo, de uma fobia. Também pode acontecer de uma pessoa ter mais de um transtorno”.
Para a psiquiatra, a fobia social é um quadro clínico centrado em torno de um medo de expor-se a outras pessoas em grupos comparativamente pequenos, levando a evitar situações sociais. Segundo Vaccarini, os sintomas podem ser constatados nos momentos em que a pessoa está enfrentando a situação que lhe causa o quadro que lhe é fóbico, podendo apresentar rubor, tremores das mãos, náuseas, vontade urgente e incontrolável de urinar, suor exagerado nas palmas das mãos, gagueira, amnésias lacunares (“brancos”), choro, sensação de desmaio, desconforto gástrico, vômitos.
Segundo Maria Angélica, é recomendado o uso de medicamentos de dois grupos farmacológicos – ansiolíticos e antidepressivos, que serão combinados conforme a intensidade dos sintomas, a gravidade do quadro, o tempo de adoecimento. Isto é, será adequado o tratamento a cada caso que o paciente nos apresente como seu sofrimento. [i]Ana conta que precisa tomar um antidepressivo forte e caro e que deve diminuir a medicação gradativamente para que não ocorra uma nova crise.
“Não se diz cura em Psiquiatria, pois a pessoa continua funcionando e seu perfil ou suas tendências de personalidade poderão permanecer, ou se manifestar. Se a pessoa é ansiosa, permanecerá ansiosa, mas poderá deixar de ser fóbica-social, melhorando muito sua qualidade de vida. Isto é melhora, mas não cura. Cura em Medicina seria a ausência total de uma doença. Aqui não há doença, nem ausência total de sintomas”, afirma Maria Angélica Vaccarini.
A estudante afirma que hoje tem uma vida normal com a meta de parar de tomar a medicação até o fim deste ano.  “As crises de pânico são decorrentes de uma ansiedade muito grande. Se eu tivesse descoberto que sofria de uma ansiedade muito grande e tivesse me tratado eu não teria chegado ao ponto de ter crises de pânico e ter que tomar uma medicação que além de muito cara é fortíssima”, contou.


[i] Ana é um nome fictício criado para preservar a fonte que não quis se identificar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

“Tom Regional: a voz dos filhos da terra” resgata a história do jornalismo regional

 Laura Vaccarini, Natasha Terra, Suellen Passarelli

A professora Filomena Maria Avelina Bomfim, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), lançou no último dia 17 o livro "Tom Regional: a voz dos filhos da terra". A obra é um conjunto de monografias e artigos trabalhados com os alunos da cidade de Arcos, interior de Minas Gerais. Serve como parâmetro de estudo sobre os processos de comunicação regional para as pessoas interessadas na área de comunicação social.
O trabalho iniciou-se em 2004 com auxilio do ex-aluno Roni Peterson na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). O objetivo era reunir, em um livro, artigos sobre o jornalismo regional para divulgar a produção qualificada de alunos do interior.
Segundo Filomena, os trabalhos possibilitaram que ela conhecesse a mídia regional, uma vez que até então era a primeira vez que a professora morava no interior. Além disso, a qualidade dos projetos a motivaram para desenvolvê-los em congressos e colóquios, mesmo com os empecilhos encontrados durante as pesquisas.
Direcionado para professores, acadêmicos, comunicadores de Jornalismo, a coletânea de 14 trabalhos aborda o conceito de jornalismo regional em Minas Gerais, entretanto o tema pode ser tratado de forma universal.
Sobre as dificuldades do trabalho, a professora cita a proximidade entre aluno e objeto, o que atrapalhava, muitas vezes, as entrevistas com moradores locais, já que as relações pessoais na cidade eram íntimas. Além disso, a ausência de exemplares dos jornais locais nos acervos e a falta de colaboração da população atrapalhavam o rendimento da pesquisa.
A professora afirma que, por se tratar de uma instituição particular, as pesquisas não possuíam apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e nem do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), já que a faculdade não possuía informações suficientes sobre as bolsas e a burocracia para consegui-las atrasaria os trabalhos.
Filomena Bomfim comentou que, como professora e pesquisadora da UFSJ, planeja desenvolver um projeto semelhante na região do Campo das Vertentes, mas com enfoque na reconstrução da história dos jornais desta região.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Alzheimer, o mal do esquecimento

O diagnóstico complicado e o tratamento caro dos idosos que sofrem com a perda de memória

Adriano Moura, Carol Argamim Gouvêa,
Íris Marinelli e Quéfrem Vieira

Quando Terezinha de Castro começou a andar sem rumo, perder a memória, falar coisas sem sentido e deixou de cuidar da higiene pessoal, a sua filha, Tereza Francisca de Castro, logo percebeu que havia algo errado. Mesmo após levá-la a vários especialistas, nem os médicos ou a família aceitavam que Dona Terezinha podia sofrer de Mal de Alzheimer. A doença foi diagnosticada em Belo Horizonte, e só então foi iniciado o tratamento adequado.
Portador de Alzheimer que vive no Albergue Santo Antônio
O Alzheimer ainda é uma doença difícil de ser diagnosticada, pois a falta de memória na terceira idade é tida como algo normal pelo senso comum. Além disso, é muitas vezes confundida com outras doenças, como as demências vascular e fronto-temporal (ver box). Para identificá-la, são necessários muitos testes, e o diagnóstico é feito por exclusão: eliminam-se todas as possíveis causas da perda de memória, para só depois diagnosticar o Alzheimer.
Segundo o geriatra Rubens Farnesi Filho, a doença é crônico-degenerativa: “A demência do Alzheimer afeta o cérebro e causa morte de neurônios, debilitando a memória e as funções cognitivas, como linguagem, mobilidade e comunicação”, explica. Dessa forma, acaba afetando o dia a dia do paciente: “A pessoa perde a habilidade de resolver problemas, lidar com finanças e de cuidar da higiene pessoal, por exemplo”, afirma Farnesi.
A perda de memória pode ser algo normal. Mas é bom observar quando se torna mais frequente ou quando o idoso começa a esquecer coisas muito importantes. É aí que entra o papel da família, que pode dizer se o costume de esquecimento aumentou gradualmente. “Esquecer de dar um recado é comum, acontece com qualquer pessoa. Mas esquecer da existência do recado pode indicar um quadro de demência”, exemplifica o geriatra.
“Minha mãe costumava andar o dia inteiro e quando chegava em casa se esquecia de que havia saído e brigava para sair novamente”, conta Teresa Francisca de Castro. A mãe de Teresa, Terezinha, que morreu há quase um ano, sofreu da doença por muitos anos e passou pelas três fases do Mal de Alzheimer. A doença começa atacando a parte do cérebro responsável pela memória recente (hipocampo) – essa é a fase inicial. Depois uma parte chamada Lobo Frontal é atingida, o que dificulta mais a capacidade de registro, em uma fase intermediária.  Por fim, o cérebro é tomado, apagando até as memórias mais antigas – o que configura o estágio mais avançado.
Foi o que aconteceu com Terezinha. No início, “ela começou a sair muito, guardar coisas escondidas no quarto, perder a noção das coisas e deixar a higiene pessoal de lado”, conta Tereza. Nesse primeiro momento, Tereza conta que a mãe não queria ir ao médico, pois acreditava não estar doente. Depois de um tombo, que causou mais danos à saúde de Terezinha, a doença atingiu a segunda fase e sua perda de memória chegou um nível muito mais elevado. A doença progrediu até um ponto em que a senhora não conseguia mais falar e manter uma comunicação com os familiares.
Portadora de Alzheimer
Apesar de ser uma doença de predisposição genética, “ter uma boa alimentação, praticar exercícios físicos e ser intelectualmente ativo” são meios de prevenir a doença, segundo Farnesi. Diabetes, hipertensão e colesterol alto facilitam o aparecimento de demências, por isso tratar esses problemas também é uma forma de evitar o Mal de Alzheimer.

Tratamento
O Mal de Alzheimer não tem cura. Os medicamentos utilizados apenas desaceleram o avanço da doença, controlam os sintomas e garantem um prolongamento da vida do paciente. “As células-tronco seriam uma saída para a doença”, afirma o geriatra Farnesi, deixando bem claro que esse tratamento ainda está em fase de pesquisa. Outra aposta dos médicos é uma vacina que está sendo estudada, mas que ainda gera muitos efeitos colaterais e por isso ainda não foi bem aceita.
O tratamento da doença é muito caro. Além do preço alto dos remédios, ainda existem gastos com vários profissionais de saúde, como neurologistas, fisioterapeutas, geriatras, enfermeiros e outros. À medida que a doença avança, o paciente fica fragilizado e sujeito a outras enfermidades, devido a quedas no sistema imunológico, a perda gradativa dos sentidos e perda de mobilidade. “A doença provoca complicações em vários órgãos, o mau funcionamento do organismo é generalizado”, afirma Rubens Farnesi.
No caso de Tereza, o plano de saúde cobriu a maioria das despesas da doença da mãe. Com este recurso, foi possível montar uma enfermaria em sua própria casa, com espaço para atendimento e tratamento médico. Mesmo assim, ainda havia muitas despesas com pagamento de enfermeiras e remédios. “No tratamento em casa eu podia dar conforto à minha mãe”, conta Tereza, explicando que os altos gastos valeram apena: “Tratamos minha mãe como um humano, não como um paciente. Os médicos tratam mais a doença do que a pessoa”.
Mas como não são todos que, como Tereza, podem bancar todas as despesas de um tratamento tão caro. Existe um apoio do governo, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que distribui gratuitamente os remédios e oferece serviços médicos. Entretanto, a coordenadora de enfermagem do Albergue Santo Antônio de São João del-Rei, Ana Mercês Braga, conta que “a burocracia para conseguir remédios é enorme, os pacientes tem que fazer vários exames”. Uma dica para receber informações sobre como adquirir os medicamentos com mais facilidade é procurar a Secretaria Municipal de Saúde.
No Albergue Santo Antônio, existem seis pacientes com a doença. “Dos seis pacientes que sofrem de Alzheimer, cinco recebem ajuda do estado. A que não recebe é a família que paga, por ter condições”, conta a Ana Mercês. No Albergue, os pacientes que possuem Alzheimer não recebem tratamento muito diferenciado dos outros internos, mas estão sempre sob os cuidados de enfermeiros do Albergue.

Dificuldades
Segundo Tereza Francisca de Castro, existe um descaso na área médica com relação aos pacientes de Alzheimer. Ela conta que, apesar de pagar um plano de saúde caro, houve inúmeros desentendimentos com médicos que, segundo ela, recusavam-se a oferecer um tratamento humanizado à mãe. “Eu briguei muito com um médico da equipe dela, do plano de saúde, porque ele dizia: ‘Por que você vai medir a pressão dela? Por que vai por sonda nela? Agora não adianta mais’. Ele queria deixar minha mãe morrer? Foi como se quisesse fazer uma eutanásia”, conta Tereza.
Para o geriatra Rubens Farnesi Filho, “deve existir uma estrutura de atendimento para a família dos pacientes de Alzheimer”. Além dos desgastes que os familiares sofrem ao lidar com os médicos e com o tratamento em geral, ainda existem agravantes na própria doença. “A perda da memória mais antiga dos doentes faz com que eles cheguem a trocar o neto pelo filho, por exemplo, ou a não reconhecer os parentes”, explica o médico. Isso faz com que o sofrimento do paciente se estenda aos membros da família, criando a necessidade de acompanhamento psicológico nos familiares.


Como o Alzheimer acontece (Box 1)


O cérebro fica comprometido na demência de Alzheimer porque a substância acetilcolina, que “alimenta” os neurônios começa a ser destruída por uma enzima chamada acetilcolinesterase. Com a falta dessa substância, os neurônios começam a morrer. Os medicamentos utilizados inibem a ação da enzima, ocasionando o aumento da acetilcolina no cérebro. Porém, os neurônios que já estiverem destruídos não serão recuperados – por isso é bom iniciar o tratamento o quanto antes. Além disso, há o acúmulo de uma substância milóide, causando a desorganização do cérebro. Uma vida saudável pode prevenir a doença porque as sinapses (ligações entre os neurônios) aumentam quando a atividade cerebral é intensa, fazendo com que a morte de neurônios demore mais tempo.



Alto custo (Box 2)
O preço dos remédios é acessível para poucos e a ajuda do Sistema Único de Saúde é burocrática e nem sempre se consegue o benefício.
Donepezila – o preço de uma caixa com 30 comprimidos e 10mg cada está em torno de 350 reais.
Rivastigmina – caixa com 30 comprimidos e 9mg pode custar mais de 500 reais.
Galantamina – 28 cápsulas de 24mg também estão em torno de R$500.
Memantina – a caixa do mais barato custa 100 reais e contém 30 comprimidos de 10mg.


Variedade de problemas (Box 3)
Há um leque muito grande de doenças que causam a perda de memória. Com várias opções, o Mal de Alzheimer é sempre a última alternativa no diagnóstico. Confira as diferenças entre os diversos tipos de demência:
Demência Fronto-temporal
Este distúrbio altera o comportamento. O paciente começa a apresentar mudança em sua conduta e passa a fazer coisas que não fazia antes. Alguns fazem uso de palavrões ou assediam sexualmente.
Demência Vascular:
Causada por enfartes vasculares consecutivos. A primeira perda é a mobilidade. Somente com o avanço da doença, a memória começa a ficar prejudicada.
Demências secundárias e reversíveis
São causadas por doenças infecto-contagiosas, por hipotireoidismo ou falta de vitamina B12. Depressão e doença mental também são outras formas de manifestação de demência.