quinta-feira, 9 de junho de 2011

Alzheimer, o mal do esquecimento

O diagnóstico complicado e o tratamento caro dos idosos que sofrem com a perda de memória

Adriano Moura, Carol Argamim Gouvêa,
Íris Marinelli e Quéfrem Vieira

Quando Terezinha de Castro começou a andar sem rumo, perder a memória, falar coisas sem sentido e deixou de cuidar da higiene pessoal, a sua filha, Tereza Francisca de Castro, logo percebeu que havia algo errado. Mesmo após levá-la a vários especialistas, nem os médicos ou a família aceitavam que Dona Terezinha podia sofrer de Mal de Alzheimer. A doença foi diagnosticada em Belo Horizonte, e só então foi iniciado o tratamento adequado.
Portador de Alzheimer que vive no Albergue Santo Antônio
O Alzheimer ainda é uma doença difícil de ser diagnosticada, pois a falta de memória na terceira idade é tida como algo normal pelo senso comum. Além disso, é muitas vezes confundida com outras doenças, como as demências vascular e fronto-temporal (ver box). Para identificá-la, são necessários muitos testes, e o diagnóstico é feito por exclusão: eliminam-se todas as possíveis causas da perda de memória, para só depois diagnosticar o Alzheimer.
Segundo o geriatra Rubens Farnesi Filho, a doença é crônico-degenerativa: “A demência do Alzheimer afeta o cérebro e causa morte de neurônios, debilitando a memória e as funções cognitivas, como linguagem, mobilidade e comunicação”, explica. Dessa forma, acaba afetando o dia a dia do paciente: “A pessoa perde a habilidade de resolver problemas, lidar com finanças e de cuidar da higiene pessoal, por exemplo”, afirma Farnesi.
A perda de memória pode ser algo normal. Mas é bom observar quando se torna mais frequente ou quando o idoso começa a esquecer coisas muito importantes. É aí que entra o papel da família, que pode dizer se o costume de esquecimento aumentou gradualmente. “Esquecer de dar um recado é comum, acontece com qualquer pessoa. Mas esquecer da existência do recado pode indicar um quadro de demência”, exemplifica o geriatra.
“Minha mãe costumava andar o dia inteiro e quando chegava em casa se esquecia de que havia saído e brigava para sair novamente”, conta Teresa Francisca de Castro. A mãe de Teresa, Terezinha, que morreu há quase um ano, sofreu da doença por muitos anos e passou pelas três fases do Mal de Alzheimer. A doença começa atacando a parte do cérebro responsável pela memória recente (hipocampo) – essa é a fase inicial. Depois uma parte chamada Lobo Frontal é atingida, o que dificulta mais a capacidade de registro, em uma fase intermediária.  Por fim, o cérebro é tomado, apagando até as memórias mais antigas – o que configura o estágio mais avançado.
Foi o que aconteceu com Terezinha. No início, “ela começou a sair muito, guardar coisas escondidas no quarto, perder a noção das coisas e deixar a higiene pessoal de lado”, conta Tereza. Nesse primeiro momento, Tereza conta que a mãe não queria ir ao médico, pois acreditava não estar doente. Depois de um tombo, que causou mais danos à saúde de Terezinha, a doença atingiu a segunda fase e sua perda de memória chegou um nível muito mais elevado. A doença progrediu até um ponto em que a senhora não conseguia mais falar e manter uma comunicação com os familiares.
Portadora de Alzheimer
Apesar de ser uma doença de predisposição genética, “ter uma boa alimentação, praticar exercícios físicos e ser intelectualmente ativo” são meios de prevenir a doença, segundo Farnesi. Diabetes, hipertensão e colesterol alto facilitam o aparecimento de demências, por isso tratar esses problemas também é uma forma de evitar o Mal de Alzheimer.

Tratamento
O Mal de Alzheimer não tem cura. Os medicamentos utilizados apenas desaceleram o avanço da doença, controlam os sintomas e garantem um prolongamento da vida do paciente. “As células-tronco seriam uma saída para a doença”, afirma o geriatra Farnesi, deixando bem claro que esse tratamento ainda está em fase de pesquisa. Outra aposta dos médicos é uma vacina que está sendo estudada, mas que ainda gera muitos efeitos colaterais e por isso ainda não foi bem aceita.
O tratamento da doença é muito caro. Além do preço alto dos remédios, ainda existem gastos com vários profissionais de saúde, como neurologistas, fisioterapeutas, geriatras, enfermeiros e outros. À medida que a doença avança, o paciente fica fragilizado e sujeito a outras enfermidades, devido a quedas no sistema imunológico, a perda gradativa dos sentidos e perda de mobilidade. “A doença provoca complicações em vários órgãos, o mau funcionamento do organismo é generalizado”, afirma Rubens Farnesi.
No caso de Tereza, o plano de saúde cobriu a maioria das despesas da doença da mãe. Com este recurso, foi possível montar uma enfermaria em sua própria casa, com espaço para atendimento e tratamento médico. Mesmo assim, ainda havia muitas despesas com pagamento de enfermeiras e remédios. “No tratamento em casa eu podia dar conforto à minha mãe”, conta Tereza, explicando que os altos gastos valeram apena: “Tratamos minha mãe como um humano, não como um paciente. Os médicos tratam mais a doença do que a pessoa”.
Mas como não são todos que, como Tereza, podem bancar todas as despesas de um tratamento tão caro. Existe um apoio do governo, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que distribui gratuitamente os remédios e oferece serviços médicos. Entretanto, a coordenadora de enfermagem do Albergue Santo Antônio de São João del-Rei, Ana Mercês Braga, conta que “a burocracia para conseguir remédios é enorme, os pacientes tem que fazer vários exames”. Uma dica para receber informações sobre como adquirir os medicamentos com mais facilidade é procurar a Secretaria Municipal de Saúde.
No Albergue Santo Antônio, existem seis pacientes com a doença. “Dos seis pacientes que sofrem de Alzheimer, cinco recebem ajuda do estado. A que não recebe é a família que paga, por ter condições”, conta a Ana Mercês. No Albergue, os pacientes que possuem Alzheimer não recebem tratamento muito diferenciado dos outros internos, mas estão sempre sob os cuidados de enfermeiros do Albergue.

Dificuldades
Segundo Tereza Francisca de Castro, existe um descaso na área médica com relação aos pacientes de Alzheimer. Ela conta que, apesar de pagar um plano de saúde caro, houve inúmeros desentendimentos com médicos que, segundo ela, recusavam-se a oferecer um tratamento humanizado à mãe. “Eu briguei muito com um médico da equipe dela, do plano de saúde, porque ele dizia: ‘Por que você vai medir a pressão dela? Por que vai por sonda nela? Agora não adianta mais’. Ele queria deixar minha mãe morrer? Foi como se quisesse fazer uma eutanásia”, conta Tereza.
Para o geriatra Rubens Farnesi Filho, “deve existir uma estrutura de atendimento para a família dos pacientes de Alzheimer”. Além dos desgastes que os familiares sofrem ao lidar com os médicos e com o tratamento em geral, ainda existem agravantes na própria doença. “A perda da memória mais antiga dos doentes faz com que eles cheguem a trocar o neto pelo filho, por exemplo, ou a não reconhecer os parentes”, explica o médico. Isso faz com que o sofrimento do paciente se estenda aos membros da família, criando a necessidade de acompanhamento psicológico nos familiares.


Como o Alzheimer acontece (Box 1)


O cérebro fica comprometido na demência de Alzheimer porque a substância acetilcolina, que “alimenta” os neurônios começa a ser destruída por uma enzima chamada acetilcolinesterase. Com a falta dessa substância, os neurônios começam a morrer. Os medicamentos utilizados inibem a ação da enzima, ocasionando o aumento da acetilcolina no cérebro. Porém, os neurônios que já estiverem destruídos não serão recuperados – por isso é bom iniciar o tratamento o quanto antes. Além disso, há o acúmulo de uma substância milóide, causando a desorganização do cérebro. Uma vida saudável pode prevenir a doença porque as sinapses (ligações entre os neurônios) aumentam quando a atividade cerebral é intensa, fazendo com que a morte de neurônios demore mais tempo.



Alto custo (Box 2)
O preço dos remédios é acessível para poucos e a ajuda do Sistema Único de Saúde é burocrática e nem sempre se consegue o benefício.
Donepezila – o preço de uma caixa com 30 comprimidos e 10mg cada está em torno de 350 reais.
Rivastigmina – caixa com 30 comprimidos e 9mg pode custar mais de 500 reais.
Galantamina – 28 cápsulas de 24mg também estão em torno de R$500.
Memantina – a caixa do mais barato custa 100 reais e contém 30 comprimidos de 10mg.


Variedade de problemas (Box 3)
Há um leque muito grande de doenças que causam a perda de memória. Com várias opções, o Mal de Alzheimer é sempre a última alternativa no diagnóstico. Confira as diferenças entre os diversos tipos de demência:
Demência Fronto-temporal
Este distúrbio altera o comportamento. O paciente começa a apresentar mudança em sua conduta e passa a fazer coisas que não fazia antes. Alguns fazem uso de palavrões ou assediam sexualmente.
Demência Vascular:
Causada por enfartes vasculares consecutivos. A primeira perda é a mobilidade. Somente com o avanço da doença, a memória começa a ficar prejudicada.
Demências secundárias e reversíveis
São causadas por doenças infecto-contagiosas, por hipotireoidismo ou falta de vitamina B12. Depressão e doença mental também são outras formas de manifestação de demência.

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